Tema foi discutido, na última terça-feira (15), em reunião fechada promovida pelo CERNE com executivos, investidores e especialistas do setor de data centers e inteligência artificial do Brasil e da Coreia do Sul
O Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE) e o Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) propuseram, nesta semana, o desenvolvimento de um estudo que projete cenários para a instalação de data centers no Rio Grande do Norte e no Nordeste do Brasil.
O setor, caracterizado pelo alto consumo de energia nas operações, seria “a aposta de mais curto prazo” para diversificar a demanda das indústrias de energia eólica da região, em meio às perdas causadas pelos chamados “curtailments” do governo, disse o chairman do CERNE, Jean Paul Prates.
Mais frequentes no país a partir do apagão de agosto de 2023, os “curtailments” são definidos pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) como redução, limitação ou corte da geração de energias renováveis, quando a produção supera a capacidade do sistema de transmissão disponível ou a necessidade de consumo demandada pela sociedade.
Eles estariam causando prejuízos bilionários às empresas e acirrando a busca por caminhos para dar vazão à energia que geram.
“Nós estamos vivendo um período em que atingimos um superávit bastante significativo de energia na região do Brasil Equatorial, que vai de Pernambuco até o Amapá, incluindo o Rio Grande do Norte, o Ceará e o Piauí”, diz o chairman do Cerne, Jean Paul Prates.
Jean Paul Prates e Darlan Santos: Busca por novos mercados para o setor de energias renováveis é urgente
“E diante dessa explosão de oferta, cabe-nos começar a conectar novas demandas. Já que o Sistema não consegue absorver toda a energia que a gente é capaz de gerar, e ainda tem o offshore para entrar, nós temos que começar a conectar novos consumos de grande escala para a região. Isso inclui data centers, plantas de hidrogênio e todo tipo de energia verde”, acrescenta. “Nós estamos buscando novos mercados para a nossa energia e isso é urgente”.
O tema foi discutido, na última terça-feira (15), em reunião fechada promovida pelo Centro com executivos, investidores e especialistas do setor de data centers e inteligência artificial do Brasil e da Coreia do Sul. O encontro foi realizado em Natal (RN) e outros semelhantes são previstos com representantes de gigantes do setor de tecnologia da China e dos Estados Unidos.
Chamar o setor para sentar à mesa com empresas de energia deverá ajudar a entender o perfil da demanda em potencial e a mostrar o que a região é capaz de oferecer, disse ainda Prates. “Nós queremos dar ciência ao outro lado de que nós existimos, de que somos importantes e temos a necessidade de exportar essa energia, ou, enfim, de consumir essa energia, e, portanto, precisamos atraí-los para cá. Nós queremos mostrar que temos condição de receber esses empreendimentos aqui”.
Atração
O Nordeste possui a maior capacidade instalada de energia eólica do Brasil, com investimentos na atividade concentrados na Bahia, no Rio Grande do Norte, no Ceará e no Piauí. Na visão do CERNE e do ISI-ER, a aproximação de data centers dessa produção abriria um novo e pujante mercado para a oferta de energia limpa.
“Para que se mantenha uma perspectiva de crescimento desse setor tão importante na economia, é preciso ampliar o consumo da energia dentro da região, já que temos uma grande disponibilidade de energia e dificuldade de escoamento dessa ‘produção’ para o grande centro de consumo brasileiro, que é a região Sul-Sudeste”, frisa o diretor do SENAI-RN e do ISI-ER, Rodrigo Mello.
Rodrigo Mello, diretor do SENAI-RN e do ISI-ER: “Análise proposta apontaria quais são as características que o setor em desenvolvimento necessita e onde elas estão melhor agrupadas e disponíveis”
Data centers ou centros de processamento de dados são ambientes refrigerados que reúnem infraestruturas de Tecnologia da Informação, como servidores e equipamentos para armazenamento, processamento e distribuição de dados digitais de uma ou várias organizações. Eles precisam funcionar de forma ininterrupta, ou seja, exigem sistemas de refrigeração e disponibilidade de energia em 100% do tempo.
O Ministério de Minas e Energia observa que esse ramo “tem crescido consideravelmente pelo Brasil, principalmente com o avanço da inteligência artificial”, e a tendência é de mais expansão para os próximos anos, o que inclui, também, um consumo energético ainda mais intensivo.
Estudo
A proposta apresentada pelo Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis durante a reunião foi um modelo de geração de informações que ajude a nortear decisões de investimento do setor – e a trazer o Nordeste do país para a luz das discussões como potencial destino desse investimento. “Esse estudo é importante porque vai nos dar um mapa de calor das melhores áreas da nossa região e do Brasil para a instalação de data centers, não só pelo critério energético”, disse Jean Paul Prates.
O pesquisador do ISI-ER, Raniere Rodrigues, explica que os objetivos da proposta incluem o desenvolvimento de estudos e a aplicação de metodologias para identificar os locais com maior potencial para instalação de data centers, considerando a existência de infraestruturas disponíveis no fornecimento de energia elétrica com base em fontes renováveis, aspectos climáticos, suprimentos de manutenção, mão de obra e atendimento de mercados consumidores.
O projeto seria dividido em cinco etapas e teria entre 8 e 10 meses de duração. A definição de modelos de negócio a serem priorizados e uma plataforma on-line para visualização e compartilhamento dos resultados também seriam contempladas.
“Estudos que a gente fez até agora mostram que, do ponto de vista energético, claro, existe a viabilidade para instalação dos data centers na região, mas o que se propõe agora é ampliar essa análise com outros players, com outras visões que podem incorporar, trazer mais assertividade para esses estudos”, diz Rodrigues. “Porque, logicamente, esse é um cenário de complexidade, então a gente não pode só ter a visão do ponto de vista energético. Existe uma série de outros critérios que podem ser levados em consideração para aumentar a visão, o alcance dessa entrega. O Brasil inevitavelmente vai passar por esse mercado. O que a gente tem que decidir é onde e como a gente vai trazer condições para que esses mercados se desenvolvam”, complementa.
O pesquisador do ISI-ER, Raniere Rodrigues, explica que um estudo semelhante do Instituto foi realizado, de forma pioneira no Brasil, com foco no setor de energia eólica offshore
O trabalho, acrescenta o pesquisador, seria semelhante a um estudo pioneiro no Brasil, realizado pelo Instituto, que aponta as melhores áreas para o desenvolvimento de infraestruturas que irão escoar a energia eólica offshore do Rio Grande do Norte – a “energia dos ventos” que será gerada a partir de futuras turbinas instaladas no mar.
“Uma análise locacional como esta nos diz quais são as características que o setor em desenvolvimento necessita e onde elas estão melhor agrupadas e disponíveis. É isso o que a informação oferta para a tomada de decisão do capital. E nós já fizemos isso para a eólica, para a energia solar, para hidrogênio. Então, temos um conhecimento profundo capaz de contribuir também na questão de estratégias locacionais voltadas a data centers”, reforça o diretor, Rodrigo Mello.
No contexto do curtailment, ele explica que o setor de energia tem buscado não apenas esta, mas diferentes possibilidades para aproveitamento da geração – o que inclui desde o uso da energia na produção de combustíveis avançados, a exportação do insumo para outros países ou o escoamento através de combustíveis e não como energia elétrica em fio. “Outra perspectiva é a que estamos discutindo agora, de trazer indústrias de alto consumo de energia elétrica ou de outras formas de energia para se instalar no Rio Grande do Norte, ou na região, especialmente nos estados que são os maiores produtores”, diz Mello.
“O data center é uma operação que consome muita energia não só para os seus equipamentos, mas também para a refrigeração deles. Por isso, esse movimento agora voltado à atração de empresas do setor, mas também de outras iniciativas, como produção de hidrogênio, amônia, de outras indústrias que consomem, de ver se conseguimos incorporar no transporte um maior consumo também, pensando em estados que, no médio e longo prazo, além de se manterem crescendo como produtores possam se tornar grandes consumidores dessa energia limpa”, complementa.
A discussão sobre novos mercados para o setor de energia integra a agenda da Comissão Executiva de Energia Renovável para Datacenters e Inteligência Artificial, criada pelo CERNE para articular parcerias entre empresas, centros de pesquisa, governos e sociedade civil. Durante a reunião, o CEO da instituição, Darlan Santos, destacou as vantagens naturais e estruturais do Brasil Equatorial, enquanto o presidente da Comissão, Guto Barreto, reforçou a crescente demanda do setor digital por fontes sustentáveis.
Imagem ilustra o que seria um data center | Crédito: freepik
SAIBA MAIS – Data Centers em números
Segundo informações divulgadas pelo ISI-ER, a quantidade de data centers no Brasil cresceu 628% entre os anos 2013 e 2023. O país conta atualmente com 164 infraestruturas do tipo, englobando 31 mercados, o que abrange cidades como São Paulo, Campinas, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Fortaleza. “Tecnicamente, data centers são infraestruturas energo-intensivas, ou seja, utilizam muita energia e água para funcionar”, define Raniere Rodrigues, pesquisador do Instituto. O investimento em um data center, observa ele, pode ser até sete vezes superior ao necessário a um empreendimento de energia eólica ou solar. “Nós estamos falando de valores substanciais. Portanto, há uma preocupação natural de trazer para esse mercado, que é inevitável, uma condição ótima de desenvolvimento”.
De acordo com Rodrigues, o fato de Brasil ser o quarto mercado no mundo em relação a tráfego de internet tem despertado cada vez mais o apetite de investidores na área. “A gente tem crescido em torno de 9% ao ano nesse mercado. Porque a forma de comprar e a forma de trabalhar, por exemplo, mudou. As pessoas usam hoje muitos recursos computacionais, inclusive as próprias inteligências artificiais para poder gerar trabalho. É por isso que a demanda que está sendo colocada no contexto de IA (inteligência artificial) naturalmente puxa a necessidade mais ainda de você ter os data centers. Empresas que antigamente tinham infraestruturas em seus espaços físicos estão transferindo essa responsabilidade para empresas que são especializadas nesse serviço”, detalha.
Texto e fotos: Renata Moura
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